::. Um olhar para além das deficiências



GracielaRodrigues

Educadora Especial/UFSMAluna de Pós Graduação (Latu Sensu) em Psicopedagogia InstitucionalFones: (51) 3024-4371 - Porto Algre/RSEmail: graciela2281@yahoo.com.br

A partir de algumas leituras realizadas, trarei para reflexão algumas idéias iniciantes que foram suscitadas por autores como Amaral, Eizirik, Baptista. Barnes e Foucault principalmente, com relação aos olhares acerca da diferença e a Escola.


PROJETANDO UM OLHAR ATRAVÉS DA HISTÓRIA:
As representações da deficiência na antiguidade e as atuais determinaram e, ainda determinam as formas de olhar para a diferença significativa. Para melhor entendermos o contexto atual, alguns aspectos históricos são importantes ressaltar buscando compreender os caminhos que o olhar para a diferença significativa foi sendo manifestado na tentativa de podermos, na atualidade, reconceitualizá-los.Consideramos que a sociedade constrói formas de viver, assim como constrói valores para que seja possível esta vivência. Segundo Foucault (1999) mais importante que buscar explicar a cultura, a ciência, as idéias de uma época ou determinada sociedade, o mais relevante é "buscar o que em uma sociedade é rejeitado e excluído. Quais as idéias ou os comportamentos ou quais são as condutas ou os princípios jurídicos ou morais que não são aceitos?" (p.75) [tradução minha], sendo para ele o louco e o prisioneiro os principais modelos de exclusão.As imagens de deficiência alimentada pelas sociedades ao longo de seu desenvolvimento nada mais são que o produto de suas formas de organização. A história nos demonstra duas polarizações à que sempre as diferenças significativas estiveram atreladas: eficiência/deficiência, sendo a partir destas polarizações as justificativas para as diferentes práticas de exclusão, inclusive o extermínio nas sociedades gregas e romanas, principalmente. Podemos considerar que tanto as diferenças quanto às exclusões não são temas atuais, mas que sempre estiveram presentes no contexto histórico da humanidade. Assim, concordamos com Albrecht apud Barnes (1998) quando afirma: "A insuficiencia es tan antigua como el cuerpo humano y las primeras sociedades conocidas: es una constante humana"( p. 65).Como o desenvolvimento da ciência o conjunto de saberes simplificadores como crendices, bruxarias e misticismos que caracterizavam os deficientes na Idade Média, foi aos poucos sendo desconstruído, dando lugar a estudos de ordem mais objetiva nos quais a 'cura' foi o principal objetivo a ser alcançado. Contudo, ao ser considerada uma doença, os indivíduos sofrem isolamentos em asilos e hospitais, já que o perigo de transmissão e contágio assusta a população. No século XVIII, na Europa, a internação dessas pessoas é um grande movimento, um período de segregação e categorização dos indivíduos, internando a loucura pela mesma razão que a devassidão e a libertinagem. Os indivíduos excluídos eram alienados, separados em grupos, entre os quais, indigentes, vagabundos e mendigos; prisioneiros; "pessoas ordinárias"; "mulheres caducas"; "velhas senis ou enfermas"; "velhas infantis"; pessoas epiléticas; "inocentes" malformados e disformes, pobres bons;" moças incorrigíveis." (Focault, 2002).No século XIX na França, Jean Itard elaborou o primeiro programa sistemático de educação especial, sendo assim considerado o pai da Educação Especial, Fonseca (1995). A primeira experiência realizada por ele foi em 1800, quando investiu na tentativa de recuperação e educabilidade de Victor de Aveyron, 'o menino selvagem'. De acordo com Baptista & Oliveira (2002), Victor seria possuidor de uma deficiência, porém pensava [Jean Itard] que essa pudesse estar relacionada com seu modo de vida precedente, em uma floresta junto apenas de animais, sem qualquer contato com seres humanos. Esse tipo de vida teria provocado um estado completo de 'privação social'. (p.100)Nesse esforço de Itard em oportunizar a Victor uma educabilidade, nasce poderíamos dizer, uma das primeiras tentativas de educar e modificar o potencial cognitivo de uma criança 'diferente'. A hegemonia médica perdurou ao longo do século XIX inclusive, com outros nomes importantes além de Itard que 'alimentavam' as idéias deste, como: Pinel, John Locke e Rousseau e boa parte do século XX. Através desse breve panorama histórico podemos dar uma caminhada pelos percursos que a deficiência passou, ora como algo a ser exterminado e ora como possível educabilidade. Podemos pensar no presente, o qual urge a necessidade de olharmos para as diferenças significativas centradas nas possibilidades e não mais nas impossibilidades e, nas sábias palavras de Amaral (2001), "um dos caminhos é percebermos o que está se passando para que possamos não eliminar preconceitos (objetivo impossível de ser atingido), mas reconhecê-los em nós e, então, elaborá-los para que não se interpolam em nossas relações vivas e pulsantes de cada dia". (p.150)
PROJETANDO UM (META) OLHAR NA ESCOLA...
Lugar de encontros e desencontros, lugar de encantos e desencantos, sob este panorama configura-se o espaço escolar. Espaço este nem sempre entendido como heterogêneo, na medida em que buscamos constantemente o igual, o uniforme.Podemos perceber que não são atuais os discursos que lutam pela não exclusão e por respeito às diferenças, mas é possível considerá-los revestidos com uma "nova roupa", portanto apenas na aparência, pois na essência a luta permanece em constante batalha. Eizirik (2003) afirma: "Sabemos que não é fácil 'ser diferente' no interior das instituições, que deseja, o amoldamento a uma massa relativamente uniforme, identificada, unificada, monocórdica, quase anônima.(....)"(p. 4). Neste sentido, procuro compreender a Escola hoje, lugar que assume a cada dia as conseqüências de um processo social de reconstruções políticas, sociais e econômicas.que, querendo ou não, se encontra inserida neste contexto e aonde aquele modelo ideal de aluno, quieto, passivo e tendo "aspecto saudável", não é mais encontrado, aliás acreditamos que nunca existiu, nós é que o representávamos desta maneira na tentativa de produzir indivíduos semelhantes, "normalizados" e obedientes. Parece haver um esquecimento por parte das Escolas que os alunos que lá freqüentam foram constituídos em diferentes lugares sociais e, portanto as diversidades étnicas, sociais, físicas, sexuais e intelectuais são olhadas com estranhamento ou como um desvio que deve ser corrigido.Assim, uma nova maneira de olhar a Escola é fundamental e necessária. Construir um espaço onde se possa viver a expressão, a criação e as experiências de vida sejam valorizadas, e que aprendizagem não seja sinônimo de fracasso e sim como percurso de múltiplos caminhos, pois "ensinar é perturbar o estável, o igual, estimulando e alertando para outras facetas dos fenômenos, incentivando o trânsito por novos horizontes" (Ibid, 2003, p. 4). E nós como educadores qual é o nosso papel? Acredito que não temos um único papel, mas múltiplos e um deles que considero importante é a busca de possibilidades no seu fazer pedagógico, transcendendo a lógica do pode/não-pode, é possível/não é possível. Possibilidades como alicerces para a construção de novos sentidos e realidades desse ensino que deve ser, assim como todos os demais e, em qualquer Escola: "especial".
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AMARAL, L. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos e sua superação. In: AQUINO, J. G.(coord.). Diferenças e preconceitos na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998, p. 11-30.
________. A diferença corporal na literatura: um convite a "segundas leituras". In: SILVA, S.; VIZIM, M. (org.). Educação Especial: múltiplas leituras e diferentes significados. Campinas: Mercado das Letras,2001.
BARNES, Colin. Las Teorias de la Discapacidad y los Orígenes de la Opresión de las Personas Discapacitadas en la Sociedad Occidental. In: BARNES, C. Diacapacidad y Sociedad. Madrid: Morata, 1998.
BAPTISTA, C. R.; OLIVEIRA, A. C. Lobos e Médicos: primórdios da educação dos "diferentes". In: BAPTISTA, C. R.; BOSSA, C. et al. Autismo e Educação: reflexões e propostas de intervenção. Porto Alegre: Artmed, 2002. Cap.7, p. 93-109.
EIZIRIK, M. Educação e Construção de Mundos: por onde passa a inclusão na escola regular? Projeto: Revista de Educação: inclusão. Porto Alegre, v. 5, nº7, out.2003.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 2002.________. Estética, ética y hermenêutica. Obras essenciales. Vol. III. Buenos Aires: Paidós, 1999.

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