CONTOS DE FADAS E PSICOPEDAGOGIA: uma proposta de utilização em sala deaula e nos atendimentos psicopedagógicos.

Procuramos explicitar até agora, alguns dos motivos pelos quais as
crianças devem ter acesso aos contos de fadas.

Acreditamos que eles devem estar presentes nas salas de aula e
também nas sessões de psicopedagogia.

No entanto, sabemos também que a literatura não está tão presente
nas salas quanto deveria. Isso porque para muitos professores a literatura é um
conteúdo sem significado, pois não tem um objetivo técnico preciso de obter algum
conhecimento (AMARILHA, 2001, p. 45). Ou seja, a literatura só tem valor quando
acompanhada de algum ensinamento, quando possui explicitamente cunho
pedagógico.

Essa idéia já é antiga. Desde o início da história da Literatura Infantil
essa idéia esteve presente, tendo sempre uma faceta utilitarista, especialmente de
fundo moral.

A idéia de literatura-prazer e das funções psicológicas são recentes,
mas precisam ser conhecidas pelos educadores.

Com o avanço de pesquisas de tantas áreas, a literatura não pode mais
estar relegada a segundo plano como vem sendo até então. Precisa ser dado a ela o
papel que lhe cabe.

Segundo Amarilha (2001, p.17) a literatura é usada na sala de aula
especialmente como um instrumento de controle sobre as crianças. Isso acontece
porque uma história é sempre bem recebida por elas e diante do “caos” instalado na
sala, muitos professores anunciam uma história, fazendo com que o silêncio volte a
reinar.


Portanto, essas situações são predominantemente improvisadas, sem
outras intenções do professor em relação à literatura. Assim, Amarilha (2001, p.18)
chama a atenção para o que denominou de “Síndrome de Sherazade”, a função
simplesmente utilitarista que é dada à literatura infantil. No entanto, seria interessante
que nos perguntássemos: que poder é esse que existe com a literatura que faz com
que crianças tão dinâmicas se aquietem? No mínimo isso deveria fazer com que
professores parassem para pensar sobre a sedução e importância da literatura em sua
prática.

Quando ouvimos uma história e nos envolvemos com ela, há um
processo de identificação com alguns personagens. Isso faz com que o indivíduo viva
um jogo ficcional, projetando-se na trama.

O jogo que o texto proporciona é de natureza dramática. Ao entrar na trama de
uma narrativa, o ouvinte ou leitor penetra no teatro. Mas, do lado do palco ele
não só assiste ao desenrolar do enredo como pode encarnar um personagem,
vestir sua máscara e viver suas emoções, seus dilemas. Dessa forma, ele se
projeta no outro através desse jogo de espelho, ganha autonomia e ensaia
atitudes e esquemas práticos necessários a vida adulta (AMARILHA, p.53).

Assim, a história proporciona ao indivíduo viver além de sua vida
imediata, “vivenciar” outras experiências. Por isso seduz, encanta e embriaga. Mesmo
sem tarefa, sem nota, sem prova, a literatura educa e, portanto e importante
pedagogicamente (AMARILHA, 2001, p. 56).

Diante dessas constatações, podemos afirmar que tudo isso se aplica
aos contos de fadas, acrescentando-se ainda toda a importância psicológica de que já
tratamos. No entanto, não basta incluir os contos de fadas na rotina da sala de aula,
nos atendimentos psicopedagógicos ou mesmo em casa. Alguns cuidados devem ser
tomados para que eles possam verdadeiramente ser significativos para as crianças.


Alguns cuidados ao se trabalhar com os contos de fadas

Ao ouvir uma história desse tipo é preciso que se dê tempo às crianças,
não ocupando-as logo em seguida com outra atividade ou outra história. É preciso que
as crianças tenham a oportunidade de verdadeiramente “mergulhar” na atmosfera do
conto, que possam falar sobre ele, sobre assuntos e sentimentos despertados. Só
assim o conto terá desempenhado sua função emocional e intelectual.

Quando um conto fala aos seus problemas e dificuldades interiores, a
criança freqüentemente pede que lhe contem a história outra vez. Essa atitude poderá
indicar que a história ouvida, de alguma forma está sendo importante e lhe trazendo
respostas. Nesse caso, o adulto que lhe contou a história (seja pais ou professores)
deve repetir a história tantas vezes quanto a criança solicitar.

Isso acontece porque a criança precisa ouvir muitas vezes uma história
para “acreditar” nela e fazer com que a visão otimista veiculada por ela seja parte de
sua concepção de mundo.

A criança “sente” qual dos contos de fadas é verdadeiro para sua situação
interna no momento (com a qual é incapaz de lidar por conta própria) e também
sente onde a história lhe fornece uma forma de poder enfrentar um problema
difícil (BETTELHEIM, 2000, p.74).

Por isso é importante que a criança possa além de ouvir o conto
quantas vezes desejar, poder também se demorar nele, falar sobre ele, sobre o que
sente, só assim aproveitará profundamente tudo o que o conto tem a oferecer. Só a
partir daí é que poderá fazer associações pessoais, gerando um significado totalmente
próprio dela. Isso é que a auxiliará a lidar com os problemas que a angustia.

Até que um dia ela dispensará a história, isso quando já tiver se
apropriado de todos os conteúdos que ela trouxe, trazendo respostas às suas
angústias. A criança também perde o interesse por uma história quando os problemas


trabalhados por ela já não existem mais, foram substituídos por outros. Por isso, o
melhor a fazer é estar atento às orientações dadas pela própria criança.

Até mesmo quando a criança não pede que um conto seja repetido,
mas o adulto perceber que ela de alguma forma ficou encantada, poderá repeti-lo em
outra ocasião. Isso porque quando o contato entre o conto e a criança se dá apenas
uma vez, elementos importantes para ela podem se perder, elementos esses que
requerem tempo para serem apreendidos e elaborados.

No entanto, mesmo que o adulto consiga entender porque um
determinado conto está encantando uma criança, não deve tentar explicar os motivos a
ela.

Explicar a uma criança por que um conto de fadas é tão cativante para ela,
destrói, acima de tudo, o encantamento da história, que depende, em grau
considerável, da criança não saber absolutamente por que está maravilhada
(BETTELHEIM, 2000, p.27).

Além disso, por mais certo que o adulto esteja de suas interpretações,
dizê-las à criança seria como privá-la da oportunidade de entender e enfrentar por ela
mesma seus problemas, de sentir que é capaz de, de alguma forma, amenizar seus
anseios. Nós crescemos, encontramos sentido na vida e segurança em nós mesmos
por termos entendido e resolvido problemas pessoais por nossa conta, e não por eles
terem sido explicados por outros (BETTELHEIM, 2000, p.27).

Dessa forma as crianças teriam a oportunidade também de se
apropriarem da história, de transformarem essa história em algo seu. Isso se dá através
das associações pessoais que ela faz. Por esse motivo as ilustrações das histórias
podem desviar a criança desse caminho, fazendo com que dificulte justamente essas
associações pessoais, pois ali estarão as visões e associações do ilustrador e não dela.

As ilustrações distraem em vez de contribuir. Por melhor que sejam as
ilustrações, contribuem bem pouco para os contos de fadas...Se uma história
diz que ‘ele subiu numa montanha e viu um rio no vale abaixo’, o ilustrador pode


apreender, ou quase apreender sua própria visão da cena, mas cada ouvinte
formará seu próprio quadro que será constituído de todas as montanhas e vales
que já viu, mas especialmente do Vale, da Montanha e do Rio que formaram
para ele a primeira personificação do mundo (Tolkien, apud BETTELHEM, 2000,
p.76).

Sem dúvida as crianças preferem os volumes ilustrados (e também os
adultos), pois assim se poupam do “trabalho” de ter que imaginar a cena descrita, no
entanto, se deixarmos um ilustrador determinar nossa imaginação, ela se torna menos
nossa e a história perde muito de sua significação pessoal (BETTELHEIM, 2000, p.76).

As imagens formadas em nossa mente através de um relato, não são
ao acaso. São fruto de impressões e experiências pessoais, que têm enorme
significado para a pessoa. Quando apenas contemplamos uma ilustração, não nos
apoderamos desse processo, não tendo nenhum significado profundo.

Como sabemos, os contos de fadas, como nenhuma outra literatura
leva a criança ao encontro da descoberta de sua individualidade, de sua identidade
única. Para isso, é importante que se apresente à criança sempre as versões originais
ou clássicas dos contos de fadas, atentando para as edições que encontramos por aí
que são versões amesquinhadas e simplificadas, que amortecem os significados e
roubam-nas de todo o significado mais profundo, onde os contos de fadas são
transformados em diversão vazia (BETTELHEIM, 2000, p.32). A eliminação de detalhes,
por mais insignificantes que possam parecer, pode fazer com que o conto perca seu
mais profundo significado.

Ainda para atingir esses objetivos e ser realmente significativo, o conto
de fadas deveria ser contado em vez de lido.

Isso porque ao contar é permitido uma maior flexibilidade, um maior
envolvimento emocional entre quem conta, quem ouve e o próprio conto. Portanto, não
servirá de nada aproximar-se da narrativa dos contos de fadas com intenções didáticas


(BETTELHEIM, 2000). Querer trabalhar “didaticamente” com os contos seria
transformá-los em um tipo de literatura que fala apenas ao consciente da criança,
sendo que o maior mérito deles é justamente atingir diretamente o inconsciente da
criança. Além disso, o professor deve ter intimidade com o conto, conhecê-lo
previamente para poder contá-lo de forma agradável e convincente.

Muitos adultos de hoje não passaram pela experiência do prazer de
ouvir de seus pais um conto de fadas. Não conhecem o encantamento e a importância
desse tipo de literatura na infância. Assim, fica difícil mostrar empatia e desenvoltura
para contá-los as crianças. Nesse caso, diz Bettelheim (2000, p. 149) que apenas uma
compreensão intelectual da importância dos contos é que pode (em partes) substituir
essa falta. Se ainda assim um adulto pensa que estes contos são apenas um monte de
mentiras, é melhor não contá-los, pois não será capaz de relatá-los de forma a
enriquecer a vida da criança.

Ainda em relação ao adulto, é importante lembrar que ele deve ser
sempre a ponte entre a criança e o conto. Isso porque, quando ela lê sozinha e
encontra ali relações com suas fantasias (especialmente as indesejáveis) pode
acreditar que tudo aquilo não é aprovado pelos adultos, que ela é quem está errada. Ao
contrário, se os pais contam a história, acredita que eles aprovam as soluções que ali
estão e, ainda, passarão a mensagem de que consideram seus conflitos internos
dignos de valor e realmente existentes. Por conseqüência a criança sente que ela
mesma é importante.

Alem disso, quando pais contam a seus filhos uma história, sem
dúvidas estamos diante de um momento único de interação e ternura, que por si só já
valeria a pena. Vale lembrar ainda que Lewis Carrol, o autor de “Alice no País das
Maravilhas” chamou os contos de fadas de “presentes de amor”, de forma muito sábia.
Presente esse que deveria ser sempre oferecido às crianças por seus pais e
professores.


Contos De Fadas e Psicopedagogia

A psicopedagogia tem como objeto de estudo e trabalho a problemática
da aprendizagem e todos os processos envolvidos nessa questão, por isso não se pode
deixar de olhar o que está acontecendo entre a inteligência e os desejos inconscientes
do sujeito.

As histórias infantis como referências simbólicas a essas questões
inconscientes constituem um importante instrumento psicopedagógico, uma vez
que remetem ao sonho, à fantasia e iluminam o ser humano no que lhe é
próprio: a capacidade de sonhar e simbolizar. (LIMA, 2003).

Por isso, incorporar na prática psicopedagógica os milenares e sábios
contos de fadas pode tornar os atendimentos mais criativos, sérios e incisivos quanto
ao resgate das dificuldades de aprendizagem.

A linguagem do simbólico, o universo das metáforas e a interpretação e
a leitura que se faz desses conteúdos, contribuem imensamente tanto para o
diagnóstico como para o tratamento psicopedagógico, já que o conceito de
aprendizagem com o qual trabalha a psicopedagogia remete a uma visão de homem
como sujeito ativo num processo de interação constante com o meio físico e social,
interferindo nesse processo o seu equipamento biológico, suas condições afetivoemocionais
e intelectuais.

Os contos de fadas desenvolvem a capacidade de fantasia infantil, são
para as crianças, o que há de mais real dentro delas. Enquanto diverte a criança, os
contos a esclarecem sobre si mesma e favorecem o desenvolvimento da sua
personalidade. Por isso, um conto trabalha o aspecto afetivo, psicológico e cognitivo.

Muitas vezes, uma criança chega ao atendimento psicopedagógico com
sua auto-estima abalada, com uma auto-percepção negativa, sendo papel do
psicopedagogo tentar auxiliá-la a reestabelecer confiança em si mesma, em acreditar
nas suas capacidades.


Nessa questão, os contos de fadas podem auxiliar o profissional. Já
citamos a importância e o impacto psicológico que eles causam a partir de sua estrutura
fixa e, especialmente, com o final feliz que apresentam. Isso porque ao ouvir os relatos
de personagens (com os quais a criança se identificou) que passaram por dificuldades
e venceram, e mais fácil acreditar na sua própria vitória.

Sabemos que quanto mais infelizes e desesperados estamos, tanto mais
necessitamos de ser capazes de nos envolvermo-nos em fantasias otimistas.
Embora a fantasia seja “irreal”, os bons sentimentos que ela nos dá sobre nós
mesmos e nosso futuro são “reais”, e estes bons sentimentos reais são o que
necessitamos para sustentar-nos (BETTELHEIM, 2000, p. 157).

O final feliz pode realmente contribuir para a formação de uma crença
positiva na vida. No entanto, é preciso ressaltar a palavra contribuir, ou seja, nenhum
conto fará isso sozinho. É salutar deixar claro a importância do papel dos pais,
professores e psicopedagogos mostrando confiança na criança e verdadeiramente
ensinando-a a ter esperança no futuro. Isso será possível se a criança realmente se
sentir acolhida, com olhares de encorajamento e aprovação.

No início da idade escolar, a criança está entrando na fase de latência.
Nessa fase, toda a energia da criança, que antes estava no aspecto sexual, envolvida
nas questões edípicas, agora é sublimada e se volta com força para as coisas da
escola, para a aprendizagem. Assim, o objeto de desejo é substituído pela busca do
conhecimento.

A criança entra na fase de latência utilizando o mecanismo de sublimação, e a
aprendizagem escolar pode vir a ser muito gratificante por ser compreendida
por ela como forma de brincar e de reparar objetos internos (TINOCO, 1999, p.
25).

Portanto, a aprendizagem ocorre quando sublimamos, ou seja, quando
transferimos um objeto de desejo para outro, no caso, o conhecimento.


Dessa forma, agora a aprendizagem escolar representa a oportunidade
de resolver temores internos, o que fazia antes através da brincadeira.

Melanie Klein in TINOCO (1999, p.26) observou que diversas atividades
escolares representavam para as meninas, formas de restaurar seu próprio corpo. E
muitas vezes, ter um caderno bonito e em ordem pode representar, de forma simbólica,
ter um corpo saudável e intacto.

Nos meninos, o sentimento de competição nessa fase é muito grande,
pois fantasiam que superando seus colegas na sala, poderão superar também seu pai.

No entanto, isso acontece com uma criança que viveu de forma
satisfatória a fase fálica e elaborou ou está elaborando de forma tranqüila o complexo
de Édipo (como já citamos essa fase e seus acontecimentos são decisivos na vida da
maioria das pessoas, segundo a psicanálise).

Por outro lado, quando uma criança está em uma situação psíquica
difícil, não pode focar sua energia para as coisas da escola, pois ela estará voltada para
a resolução desses problemas. Muitas crianças, mesmo sem déficit algum de
inteligência, nenhum comprometimento neurológico podem apresentar dificuldades na
escola quando passam, por exemplo, por conflitos familiares, que consomem sua
energia ou a faz regredir ou se fixar em uma fase anterior de desenvolvimento.

Tinoco (1999, p.28) ressalta que a alfabetização pode ser bloqueada
por conflitos internos da criança, relacionados com a não elaboração da situação
Edípica. Isso porque algumas habilidades importantes para a leitura e escrita estão
relacionadas aos seus desejos edípicos, que ela quer sufocar, não sabendo como lidar
com eles. Assim, se fecha também para as novas aprendizagens, o que também a
tornaria mais forte, despertando o medo de ser igual ou superior ao pai (no caso dos
meninos) ou à mãe (no caso das meninas). Por isto a aprendizagem escolar se dá por


volta dos sete anos, com uma maturação neurofuncional própria desta idade e com a
resolução do complexo de Édipo.

Portanto, quando não está com o ego bem estruturado e fortalecido, as
pressões exercidas sobre a psique são quase insustentáveis por ele. É claro que em
casos específicos, onde o psicopedagogo diagnosticar que problemas de ordem
emocional atingem a criança é preciso encaminhá-la para atendimento com
profissionais capacitados para tal. Mas até mesmo para essa percepção, para esse
encaminhamento é preciso que o psicopedagogo conheça essa dinâmica, conheça o
poder dos desejos inconscientes. É preciso uma escuta atenta e sensível, para
perceber o que realmente está ocasionando a dificuldade apresentada.

De acordo com a psicanálise todos os aspectos da vida de um indivíduo
não podem ser analisados separadamente, portanto, todos os acontecimentos de sua
vida (desde mesmo durante a vida intra-uterina) influenciam direta ou indiretamente sua
vida, o que estende à dinâmica escolar, na relação do sujeito com o conhecimento e
tudo o que ele pressupõe.

Para que a aprendizagem escolar aconteça de forma satisfatória, o
indivíduo precisa abrir mão de uma fase da vida, para entrar em outra. Isso pressupõe
crescimento, e crescimento pressupõe separações e perdas dolorosas, como a quebra
da relação simbiótica com a mãe, elaborações de questões edípicas e angústia de
castração.

Simbolizar é sentir a perda. É olhar e substituir o objeto perdido por outro. Daí a
importância do estudo da função simbólica na psicopedagogia, uma vez que,
para que ocorra a aprendizagem é necessário perder um objeto para então
ganhar e apropriar-se de outro. A vida também é uma troca. Quando
substituímos, simbolizamos e então amadurecemos (LIMA, 2003).

Além desse aspecto, podemos citar também a importância das
conversas que são estabelecidas após cada conto. Ao se falar sobre o herói, seus
problemas, suas dificuldades, a criança consegue entender e visualizar melhor seus


próprios problemas. Isso porque é muito mais fácil e menos perigoso falar de problemas
alheios. Desta maneira, acontece um encontro com sentimentos dolorosos ou
ameaçadores, mas de forma indireta e alternativa (FELDMAN, 1996, p.37). Ela pode
falar de sentimentos que são seus, projetando-os no personagem em questão.

Também é muito reconfortante para a criança saber que alguém (no
caso o personagem) tem os mesmos problemas que ela e mais, que foi possível
superá-los. Segundo Bettelheim (2000), o conto de fadas é um espelho onde podemos
nos reconhecer com problemas e propostas de soluções que só podem ser elaborados
na imaginação. Dessa forma, os contos podem:

...esclarecer inconscientemente os processos e conflitos internos de forma
simbólica e impessoal, para que a criança tenha a oportunidade de visualizar
seus conflitos como um observador, auxiliando dessa forma, nas resoluções e
promovendo o amadurecimento emocional e cognitivo (LIMA, 2003).

Portanto, é preciso que o professor ou o psicopedagogo esteja atento
às necessidades das crianças que estão sob sua responsabilidade, dirigindo de modo
eficiente as propostas de discussões após um conto, permitindo que cada um fale de
seus sentimentos de forma espontânea, respeitando sempre a individualidade, o desejo
e o direito de cada um de falar ou não sobre o que sente.

Todo educador deve conhecer muito bem a criança com quem trabalha.
Conhecer seu estágio de desenvolvimento, suas necessidades, seu nível de
pensamento. Essa necessidade é ainda maior para o psicopedagogo. Ele precisa estar
verdadeiramente interagindo com as crianças que atende. Por isso, deve conhecer sua
necessidade de mágica, de fantasia para assegurar-lhe esse direito. É preciso nunca
perder de vista a complexidade e totalidade do ser humano, lembrando-se sempre que
a criança que ali está é corpo, mente, emoção, que é resultado de influências sociais, é
alguém que tem desejos, preferências, medos, angústias, alegrias, como qualquer outro
ser humano.


O que vemos em muitas escolas é na verdade, a criança sendo muitas
vezes, subjugada e subestimada pelos adultos, não tendo suas reais necessidades
atendidas. Segundo Bettelheim (1988, p. 355) isso faz com que seja oferecido à
criança,

...um mundo insípido, um mundo que não reconhece os seus e os nossos
medos mais profundos, assim como os desejos mais satisfatórios. O que é
igualmente desastroso é que, ao tornarmos o mundo insípido para eles,
estamos contribuindo para também tornar insípido o sentimento deles por nós,
algo que faz sofrer tanto a eles como a nós. Se, por outro lado, pudéssemos
devolver a magia ao mundo de nossos filhos, ela também seria devolvida a
nossas relações, que se enriquecem enormemente com isso.

Portanto, acreditamos que os contos de fadas podem ser aliados no
diagnóstico bem como no acompanhamento psicopedagógico, auxiliando o profissional
a conhecer a criança com a qual trabalha. Além disso, acreditamos também na
possibilidade dos contos serem usados pela psicopedagogia de forma preventiva.

Se os contos atingem o seu ápice quando a criança tem por volta de
cinco anos, estando no auge dos conflitos edípicos, seria interessante eles estarem
presentes na vida da criança desde a educação infantil, auxiliando-a na elaboração
desses conflitos. Elaboração essa que poderia prevenir problemas futuros que acabam
desencadeando dificuldades de aprendizagem, já que essa é uma fase de grande
importância na vida do ser humano.

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